Mais uma vez fico um tempo enorme a comtemplar a imagem para muito depois remeter-me ao texto. Lembrei desse poema: A Primeira Lição do Corvo
Deus tentou ensinar o Corvo a falar. ‘Amor’, disse Deus. ‘Diga, amor’. Corvo gralhou, e o tubarão branco colidiu no mar E deslizou para baixo, descobrindo sua própria profundidade.
‘Não, não’, disse Deus. ‘Diga Amor. Agora tente. AMOR.’ Corvo gralhou, e uma varejeira, uma tsé-tsé, um mosquito Zumbiram para fora e para baixo Para os seus vários alcouces.
‘Uma última tentativa’, disse Deus. ‘Agora, AMOR’ Corvo gralhou, se contorceu, regurgitou e A pródiga cabeça sem corpo do homem Intumesceu-se sobre a terra, com olhos giratórios, Tagarelando protesto –
E Corvo regurgitou de novo, antes que Deus o impedisse. E a vulva da mulher caiu sobre o pescoço do homem e apertou. Os dois lutaram juntos sobre a relva. Deus lutou para separá-los, praguejou, chorou –
Corvo fugiu com culpa.
TED HUGHES
Essa é uma tradução de Virna Teixeira, e ao ler este poema lembrei-me de ti, já que o corvo anda sempre sobrevoando por aqui a nos dizer algo. Bat Kiss.
Tio 2dão: Eu gosto de um poema da Idade Média, é uma Cantiga de Escárnio, por sinal também é estranhíssima, entretanto, esta sempre impressionou-me até quando eu não sabia interpretá-la, cá vai:
"Tem uma dona, eu não vou dizer qual que queria ouvir a missa, pelas oitavas de natal mas veio um corvo carnaçal (que gosta de carne) e ela não pôde de casa sair. Bem que ela queria ouvir o sermão mas veio um corvo acaron (que nem ácaro, carrapato, que gruda e não larga) e ela não pôde de casa sair. Bem que ela queria ir rezar mas o corvo disse: 'Quá, vem cá!' e ela não pôde de casa sair. Bem que ela queria sua missa ouvir mas o corvo veio sobre si e ela não pôde de casa sair."
Ao que tudo indica, a indireta do compositor nos sugere que certa mulher daquele tempo andou dando desculpas que teria ido à missa, mas faltou porque apareceu um corvo preto, sinal de azar, e ela ficou em casa. No entanto, ao mesmo tempo, ele vai pontuando as ações do corvo de tal maneira que chegamos à conclusão de que se trata de um padre (corvo = batina preta) que, aproveitando-se de estar outro padre ocupado com a missa, foi à casa da beata e teve com ela um caso (veio sobre si).
Escutei pela primeira vez este poema aos 10 anos numa aula ministrada por minha mãe, que é professora de Literatura. Este poema fica há anos martelando minha cabeça e gosto muito dele. Lembrei-me há pouco tempo dele quando o Lord escreveu um poema em que o corvo também andava a alçar voô sobre as palavras. Hoje lembrei-me do poema e do autor que é Joan Airas de santiago, século XIII.
Bat não coleciona apenas poemas estranhos: ela escreve poemas estranhos...JAJAJAJAJAJA! Já rolei de rir com o poema que ela escreveu hoje, é praticamente uma cantiga de escárnio. BEIJOS.
Gostei, parece uma canção fúnebre...LOLADA! Eu sempre pego essas canções traduzidas, pois em galaico-português eu não entendo lhufas...JAJAJAJAJAJA! Eu também gosto de uma cantiga de Maldizer que fala sobre uma cafetina(Maria não-sei-o-quê,não recordo do nome dela) que ensina o ofício às suas meninas, mas não consigo me lembrar do nome do trovador e nem da cantiga. Com certeza, eu tenho um parafuso a menos, pois gosto de coisas maradas.LOL! Beijão.
Mariazinha, eu penso que leva tempo (ou pode levar) a preparar para ver. Depois, se se vir, vê-se fulgurantemente: a coisa que vemos, ela mesma no seu mistério único - e não aquela coisa-classificada, aquela coisa-racionalizada que estamos habituados a usar com o nosso cérebro-de-medir.
Hei-de voltar a isto de uma maneira mais apropriada (mas é sobre isto que tenho tentado falar...)
Hoje consegui dar uma escapadela até aqui...finalmente:) O que escreves faz-me pensar. Eu penso que leva tempo a ver com olhos de ver. Gostei muito da definição deixada pelo Lord.
Biazinha, o Camilo será sempre um dos nossos. Grandes histórias nos contaria ele se aqui estivesse: sobre corvos e silêncios, sobre guardar e aguardar, sobre amores e lágrimas e mortos e vivos, e todas as outras coisas simples. *
Clarissa, é sim. Um destes dias vou recorrer ao teu "Rosto". Abraço
Andorinha, gosto sempre de te ver por aqui. E sim: tudo dito, nessa frase do Lord. Beijo!
Ruela, o primeiro corvo de que gostei, em miudo, foi o do Noé. Gostei mais dele do que da pomba, e o padre do colégio disse que eu não tinha percebido nada. Abraço!
17 comentários:
Ver é cerrar os olhos e depois abri-los em frente ao fogo.
Mais uma vez fico um tempo enorme a comtemplar a imagem para muito depois remeter-me ao texto.
Lembrei desse poema:
A Primeira Lição do Corvo
Deus tentou ensinar o Corvo a falar.
‘Amor’, disse Deus. ‘Diga, amor’.
Corvo gralhou, e o tubarão branco colidiu no mar
E deslizou para baixo, descobrindo sua própria
profundidade.
‘Não, não’, disse Deus. ‘Diga Amor. Agora tente. AMOR.’
Corvo gralhou, e uma varejeira, uma tsé-tsé, um mosquito
Zumbiram para fora e para baixo
Para os seus vários alcouces.
‘Uma última tentativa’, disse Deus. ‘Agora, AMOR’
Corvo gralhou, se contorceu, regurgitou e
A pródiga cabeça sem corpo do homem
Intumesceu-se sobre a terra, com olhos giratórios,
Tagarelando protesto –
E Corvo regurgitou de novo, antes que Deus o impedisse.
E a vulva da mulher caiu sobre o pescoço do homem e
apertou.
Os dois lutaram juntos sobre a relva.
Deus lutou para separá-los, praguejou, chorou –
Corvo fugiu com culpa.
TED HUGHES
Essa é uma tradução de Virna Teixeira, e ao ler este poema lembrei-me de ti, já que o corvo anda sempre sobrevoando por aqui a nos dizer algo.
Bat Kiss.
Sim, Lord. E abrir os olhos - é iluminar o fogo.
Abraço
Bat, coleccionas poemas estranhíssimos :)
Contemplar a imagem... sim: como a chama que o xamã chama...
Bat kiss *
Tio 2dão:
Eu gosto de um poema da Idade Média, é uma Cantiga de Escárnio, por sinal também é estranhíssima, entretanto, esta sempre impressionou-me até quando eu não sabia interpretá-la, cá
vai:
"Tem uma dona, eu não vou dizer qual
que queria ouvir a missa, pelas oitavas de natal
mas veio um corvo carnaçal (que gosta de carne)
e ela não pôde de casa sair.
Bem que ela queria ouvir o sermão
mas veio um corvo acaron (que nem ácaro, carrapato, que gruda e não larga)
e ela não pôde de casa sair.
Bem que ela queria ir rezar
mas o corvo disse: 'Quá, vem cá!'
e ela não pôde de casa sair.
Bem que ela queria sua missa ouvir
mas o corvo veio sobre si
e ela não pôde de casa sair."
Ao que tudo indica, a indireta do compositor nos sugere que certa mulher daquele tempo andou dando desculpas que teria ido à missa, mas faltou porque apareceu um corvo preto, sinal de azar, e ela ficou em casa. No entanto, ao mesmo tempo, ele vai pontuando as ações do corvo de tal maneira que chegamos à conclusão de que se trata de um padre (corvo = batina preta) que, aproveitando-se de estar outro padre ocupado com a missa, foi à casa da beata e teve com ela um caso (veio sobre si).
Escutei pela primeira vez este poema aos 10 anos numa aula ministrada por minha mãe, que é professora de Literatura. Este poema fica há anos martelando minha cabeça e gosto muito dele.
Lembrei-me há pouco tempo dele quando o Lord escreveu um poema em que o corvo também andava a alçar voô sobre as palavras. Hoje lembrei-me do poema e do autor que é Joan Airas de santiago, século XIII.
Bat não coleciona apenas poemas estranhos: ela escreve poemas estranhos...JAJAJAJAJAJA!
Já rolei de rir com o poema que ela escreveu hoje, é praticamente uma cantiga de escárnio.
BEIJOS.
“Ua dona, nom digu’eu qual,
non agoirou o gano mal
polas oitavas de Natal:
ia por as missa oir
e ouv’un corvo carnaçal,
e non quis da casa sair...”
LOL, Bia!!!!!!!!!!
NEM TUDO O QUE É NEGRO É CORVO :p
Olha aqui um link para uma versão recente do nosso Joam Airas:
http://www.overmundo.com.br/banco/cantiga-leo-lago-1
(mas não sei se é bom, que não ouvi!)
Bj*
Gostei, parece uma canção fúnebre...LOLADA!
Eu sempre pego essas canções traduzidas, pois em galaico-português eu não entendo lhufas...JAJAJAJAJAJA!
Eu também gosto de uma cantiga de Maldizer que fala sobre uma cafetina(Maria não-sei-o-quê,não recordo do nome dela) que ensina o ofício às suas meninas, mas não consigo me lembrar do nome do trovador e nem da cantiga.
Com certeza, eu tenho um parafuso a menos, pois gosto de coisas maradas.LOL!
Beijão.
Leva tempo a ver a elevação no silêncio. A ver, e não apenas olhar.
Mas vale a pena.
:)
beijo*
... coisas que parecem maradas.
Bia * :)
Mariazinha, eu penso que leva tempo (ou pode levar) a preparar para ver. Depois, se se vir, vê-se fulgurantemente: a coisa que vemos, ela mesma no seu mistério único - e não aquela coisa-classificada, aquela coisa-racionalizada que estamos habituados a usar com o nosso cérebro-de-medir.
Hei-de voltar a isto de uma maneira mais apropriada (mas é sobre isto que tenho tentado falar...)
E aqui entra o falcão, pois...
Dark kiss *
Casimiro, guardar e aguardar é uma enorme lição que temos que tomar.
Um abraço
Hoje consegui dar uma escapadela até aqui...finalmente:)
O que escreves faz-me pensar.
Eu penso que leva tempo a ver com olhos de ver.
Gostei muito da definição deixada pelo Lord.
Beijos
O corvo tudo vê...
Abraço.
"O amor é uma luz que não deixa escurecer a vida"
Camilo Castelo Branco
A essa luz eu vejo. E no silêncio fundo que se propaga está a certeza de não aguardar em vão.
Beijo*
Que frase linda a Fata citou!Essa luz sempre vale a pena ser guardada.
Beijos.
PS: Eu tenho um livro desse Camilo aqui em casa. Minha mãe disse que é super lacrimoso; Amor de Perdição.
Morgana, a essa luz sim. Sempre. Beijo*
Biazinha, o Camilo será sempre um dos nossos. Grandes histórias nos contaria ele se aqui estivesse: sobre corvos e silêncios, sobre guardar e aguardar, sobre amores e lágrimas e mortos e vivos, e todas as outras coisas simples. *
Clarissa, é sim. Um destes dias vou recorrer ao teu "Rosto". Abraço
Andorinha, gosto sempre de te ver por aqui. E sim: tudo dito, nessa frase do Lord. Beijo!
Ruela, o primeiro corvo de que gostei, em miudo, foi o do Noé. Gostei mais dele do que da pomba, e o padre do colégio disse que eu não tinha percebido nada. Abraço!
pois...ele não sabia que existem pessoas que admiram uma roseira pela beleza e outras pelos seus espinhos...
Abraço.
Enviar um comentário