segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Vê:

pintura de William Adolphe Bouguereau (1898)

Vê:

Enigma e coroação do silêncio - da elevação que no silêncio habita.

Na verdade, a terra inteira guarda e aguarda. Nos céus, a sereníssima lição do corvo.

17 comentários:

Lord of Erewhon disse...

Ver é cerrar os olhos e depois abri-los em frente ao fogo.

bat_thrash disse...

Mais uma vez fico um tempo enorme a comtemplar a imagem para muito depois remeter-me ao texto.
Lembrei desse poema:
A Primeira Lição do Corvo

Deus tentou ensinar o Corvo a falar.
‘Amor’, disse Deus. ‘Diga, amor’.
Corvo gralhou, e o tubarão branco colidiu no mar
E deslizou para baixo, descobrindo sua própria
profundidade.

‘Não, não’, disse Deus. ‘Diga Amor. Agora tente. AMOR.’
Corvo gralhou, e uma varejeira, uma tsé-tsé, um mosquito
Zumbiram para fora e para baixo
Para os seus vários alcouces.

‘Uma última tentativa’, disse Deus. ‘Agora, AMOR’
Corvo gralhou, se contorceu, regurgitou e
A pródiga cabeça sem corpo do homem
Intumesceu-se sobre a terra, com olhos giratórios,
Tagarelando protesto –

E Corvo regurgitou de novo, antes que Deus o impedisse.
E a vulva da mulher caiu sobre o pescoço do homem e
apertou.
Os dois lutaram juntos sobre a relva.
Deus lutou para separá-los, praguejou, chorou –

Corvo fugiu com culpa.

TED HUGHES

Essa é uma tradução de Virna Teixeira, e ao ler este poema lembrei-me de ti, já que o corvo anda sempre sobrevoando por aqui a nos dizer algo.
Bat Kiss.

Casimiro Ceivães disse...

Sim, Lord. E abrir os olhos - é iluminar o fogo.

Abraço

Casimiro Ceivães disse...

Bat, coleccionas poemas estranhíssimos :)

Contemplar a imagem... sim: como a chama que o xamã chama...

Bat kiss *

Ana Beatriz Frusca disse...

Tio 2dão:
Eu gosto de um poema da Idade Média, é uma Cantiga de Escárnio, por sinal também é estranhíssima, entretanto, esta sempre impressionou-me até quando eu não sabia interpretá-la, cá
vai:

"Tem uma dona, eu não vou dizer qual
que queria ouvir a missa, pelas oitavas de natal
mas veio um corvo carnaçal (que gosta de carne)
e ela não pôde de casa sair.
Bem que ela queria ouvir o sermão
mas veio um corvo acaron (que nem ácaro, carrapato, que gruda e não larga)
e ela não pôde de casa sair.
Bem que ela queria ir rezar
mas o corvo disse: 'Quá, vem cá!'
e ela não pôde de casa sair.
Bem que ela queria sua missa ouvir
mas o corvo veio sobre si
e ela não pôde de casa sair."

Ao que tudo indica, a indireta do compositor nos sugere que certa mulher daquele tempo andou dando desculpas que teria ido à missa, mas faltou porque apareceu um corvo preto, sinal de azar, e ela ficou em casa. No entanto, ao mesmo tempo, ele vai pontuando as ações do corvo de tal maneira que chegamos à conclusão de que se trata de um padre (corvo = batina preta) que, aproveitando-se de estar outro padre ocupado com a missa, foi à casa da beata e teve com ela um caso (veio sobre si).

Escutei pela primeira vez este poema aos 10 anos numa aula ministrada por minha mãe, que é professora de Literatura. Este poema fica há anos martelando minha cabeça e gosto muito dele.
Lembrei-me há pouco tempo dele quando o Lord escreveu um poema em que o corvo também andava a alçar voô sobre as palavras. Hoje lembrei-me do poema e do autor que é Joan Airas de santiago, século XIII.

Bat não coleciona apenas poemas estranhos: ela escreve poemas estranhos...JAJAJAJAJAJA!
Já rolei de rir com o poema que ela escreveu hoje, é praticamente uma cantiga de escárnio.
BEIJOS.

Casimiro Ceivães disse...

“Ua dona, nom digu’eu qual,
non agoirou o gano mal
polas oitavas de Natal:
ia por as missa oir
e ouv’un corvo carnaçal,
e non quis da casa sair...”

LOL, Bia!!!!!!!!!!

NEM TUDO O QUE É NEGRO É CORVO :p

Olha aqui um link para uma versão recente do nosso Joam Airas:

http://www.overmundo.com.br/banco/cantiga-leo-lago-1

(mas não sei se é bom, que não ouvi!)

Bj*

Ana Beatriz Frusca disse...

Gostei, parece uma canção fúnebre...LOLADA!
Eu sempre pego essas canções traduzidas, pois em galaico-português eu não entendo lhufas...JAJAJAJAJAJA!
Eu também gosto de uma cantiga de Maldizer que fala sobre uma cafetina(Maria não-sei-o-quê,não recordo do nome dela) que ensina o ofício às suas meninas, mas não consigo me lembrar do nome do trovador e nem da cantiga.
Com certeza, eu tenho um parafuso a menos, pois gosto de coisas maradas.LOL!
Beijão.

Jo disse...

Leva tempo a ver a elevação no silêncio. A ver, e não apenas olhar.
Mas vale a pena.

:)
beijo*

Casimiro Ceivães disse...

... coisas que parecem maradas.

Bia * :)

Casimiro Ceivães disse...

Mariazinha, eu penso que leva tempo (ou pode levar) a preparar para ver. Depois, se se vir, vê-se fulgurantemente: a coisa que vemos, ela mesma no seu mistério único - e não aquela coisa-classificada, aquela coisa-racionalizada que estamos habituados a usar com o nosso cérebro-de-medir.

Hei-de voltar a isto de uma maneira mais apropriada (mas é sobre isto que tenho tentado falar...)

E aqui entra o falcão, pois...

Dark kiss *

Clarissa disse...

Casimiro, guardar e aguardar é uma enorme lição que temos que tomar.
Um abraço

andorinha disse...

Hoje consegui dar uma escapadela até aqui...finalmente:)
O que escreves faz-me pensar.
Eu penso que leva tempo a ver com olhos de ver.
Gostei muito da definição deixada pelo Lord.

Beijos

Ruela disse...

O corvo tudo vê...

Abraço.

Fata Morgana disse...

"O amor é uma luz que não deixa escurecer a vida"
Camilo Castelo Branco

A essa luz eu vejo. E no silêncio fundo que se propaga está a certeza de não aguardar em vão.

Beijo*

Ana Beatriz Frusca disse...

Que frase linda a Fata citou!Essa luz sempre vale a pena ser guardada.
Beijos.

PS: Eu tenho um livro desse Camilo aqui em casa. Minha mãe disse que é super lacrimoso; Amor de Perdição.

Casimiro Ceivães disse...

Morgana, a essa luz sim. Sempre. Beijo*

Biazinha, o Camilo será sempre um dos nossos. Grandes histórias nos contaria ele se aqui estivesse: sobre corvos e silêncios, sobre guardar e aguardar, sobre amores e lágrimas e mortos e vivos, e todas as outras coisas simples. *

Clarissa, é sim. Um destes dias vou recorrer ao teu "Rosto". Abraço

Andorinha, gosto sempre de te ver por aqui. E sim: tudo dito, nessa frase do Lord. Beijo!

Ruela, o primeiro corvo de que gostei, em miudo, foi o do Noé. Gostei mais dele do que da pomba, e o padre do colégio disse que eu não tinha percebido nada. Abraço!

Ruela disse...

pois...ele não sabia que existem pessoas que admiram uma roseira pela beleza e outras pelos seus espinhos...


Abraço.